Para o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, a data celebra e enaltece um dos pilares da nacionalidade brasileira.
Importante marco para a reflexão sobre os avanços e os próximos passos para erradicar do país qualquer forma de discriminação racial, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, passou, este ano, a integrar o calendário nacional de feriados.
A lei que torna o feriado nacional foi sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023. A data faz referência à morte do líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra contra a escravidão no Brasil.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o Dia da Consciência Negra celebra e enaltece um dos pilares da nacionalidade brasileira. ”A data traz consigo a reflexão sobre os séculos de superação e resiliência do povo negro, além da busca por respeito, igualdade e oportunidades”, afirmou.
Segundo Barroso, apesar dos avanços na história, ainda há muito por fazer. “Mais do que um problema individual ou fator institucional, o racismo integra a organização econômica e política da sociedade e exige uma conscientização de todos”.
Para o presidente do STF, a sociedade brasileira já amadureceu para admitir que a democracia racial que se acreditava existir no país não passa de uma ilusão. “O diagnóstico adequado tem contribuído para uma progressiva superação desse racismo estrutural. É uma batalha longa, longe de estar terminada”.
A seu ver, a data reforça ainda a necessidade de valorização da cultura afro-brasileira e suas mais diversas manifestações, “que se constituem em marcos para a construção do patrimônio cultural do país”.
Ação afirmativa
O 20 de novembro já era considerado feriado em seis estados brasileiros e cerca de 1,2 mil municípios, entre eles São Paulo, a maior cidade do país. Em 2022, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 634, o Supremo validou a lei municipal que criou o feriado na cidade. O entendimento é de que a discussão ultrapassa a questão da competência (municipal ou federal) para criar feriados. Para a Corte, o tema deve ser observado pela perspectiva cultural, histórica e de ação afirmativa que permite a identificação de um povo. Diante do inegável protagonismo do povo negro na construção cultural e histórica do Município de São Paulo, o Supremo considerou inequívoco o interesse local de instituir o feriado.
Oportunidade de acesso
Uma das decisões mais emblemáticas do STF para corrigir discrepâncias históricas de oportunidade e acesso a direitos pela população negra foi o reconhecimento da constitucionalidade do sistema de reserva de vagas (cotas) com base em critério étnico-racial para ingresso em universidades públicas (ADPF 186). No julgamento, o STF validou ações afirmativas voltadas a grupos sociais determinados, por tempo limitado, de modo a permitir a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. Para a Corte, são constitucionais medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais no país.
Após a decisão, foi sancionada a Lei 12.711/2012, que criou as cotas com critério racial em todas as instituições federais de ensino superior. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a lei aumentou em 400% o ingresso de alunos negros no ensino superior em 10 anos.
Serviço público
Em 2017, o Plenário, ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41, validou a Lei federal 12.990/2014, que reserva para pessoas negras 20% das vagas em concursos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta. A decisão histórica reconheceu que essa política de ação afirmativa está em harmonia com o princípio da isonomia, pois se justifica na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira.
Em junho de 2024, o STF concedeu liminar e prorrogou a vigência da Lei de Cotas em concursos públicos federais até que o Congresso Nacional aprove uma nova norma sobre a matéria (ADI 7654). A norma previa vigência de 10 anos para as cotas raciais, e o prazo expiraria em 10 de junho.
O entendimento foi de que o fim da vigência da ação afirmativa sem a avaliação dos seus efeitos contraria o objetivo da própria lei, além de afrontar regras da Constituição que visam à construção de uma sociedade justa e solidária e à erradicação das desigualdades sociais e de preconceitos de raça, cor e outras formas de discriminação.
Reparação histórica e liberdade religiosa
Em 2018, em decisão fundamental para facilitar a regularização de territórios quilombolas, essencial para garantir a continuidade desses grupos étnicos, o Supremo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, declarou legítimo o critério de autoatribuição da identidade quilombola para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
No ano seguinte, o Plenário julgou constitucional lei do Rio Grande do Sul sobre proteção animal que, visando resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana. No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 494601, o Tribunal frisou que a prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas, particularmente das que vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não institucionais.
Para o Supremo, a proteção específica dos cultos de religiões de matriz africana é compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, merece atenção especial do Estado.
Racismo estrutural
A decisão liminar na ADPF 635, que restringiu operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, também considerou o impacto desproporcional dessas ações sobre a população negra ou parda de tais comunidades nos casos de violência policial.
Outro marco se deu em abril deste ano, quando o Tribunal, ao julgar o Habeas Corpus (HC) 208240, reconheceu a ilegalidade da abordagem policial motivada por cor da pele.
Em ambas as decisões, o Supremo ratificou que o racismo estrutural constitui não apenas uma causa de exclusão ou de empobrecimento das pessoas negras, mas potencializa as mortes ocasionadas pelas forças policiais.
Injúria racial
Em 2021, a Corte, no julgamento do HC 154248, reconheceu que o crime de injúria racial é uma forma de racismo e é imprescritível, ou seja, é pode ser julgado e punido independentemente de prazo.
O entendimento foi de que a injúria, como forma de ofensa decorrente da raça, da cor, da religião, da etnia ou da procedência nacional para atacar a honra ou a imagem alheia, com violação de direitos ligados à dignidade da pessoa humana, é uma forma de realizar o racismo.
Fonte: STF