O Tribunal de Contas do Estado do Paraná fixou a tese de que os consórcios públicos intermunicipais de direito público, constituídos sob a forma de associações públicas, devem efetuar a retenção, na fonte, do imposto sobre a renda incidente sobre os pagamentos efetuados a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, nos termos da Instrução Normativa (IN) da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 1234/12 e alterações.
Nessa tese, o TCE-PR também fixou o entendimento de que os consórcios públicos intermunicipais de direito privado devem efetuar a retenção, na fonte, do imposto sobre a renda incidente sobre os pagamentos efetuados a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, de acordo com as disposições do Decreto nº 9.580/18, devendo o imposto retido ser recolhido aos cofres da União.
Orientação
Os consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública integram a administração direta dos entes consorciados, nos termos do artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei nº 11.107/05. Assim, estão sujeitos ao regime de retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na forma prevista para os entes federados; e, portanto, devem proceder à retenção do IRRF incidente sobre os pagamentos que efetuarem a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços.
Os recursos do IRRF pertencem exclusivamente aos municípios consorciados e devem ser contabilizados como sua receita própria. Isso porque, nos termos do artigo 158, inciso I, da Constituição Federal (CF/88), o produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza incidente na fonte sobre rendimentos pagos pelos municípios, suas autarquias e fundações deve ser destinado aos próprios municípios.
A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema nº 1130 da Repercussão Geral reforça esse entendimento ao dispor que o produto da arrecadação do IRRF incidente sobre valores pagos pelos consórcios públicos de direito público pertence aos entes consorciados, observada a proporção de participação de cada um no consórcio.
A distribuição dos valores retidos a título de IRRF deve observar a participação de cada município no consórcio, de forma proporcional ao percentual de contribuição de cada ente no rateio anual, que deverá estar estabelecido no protocolo de intenções ou contrato de rateio. Esse é o critério mais adequado, pois reflete a efetiva participação de cada município no consórcio, assegurando a repartição equitativa dos valores arrecadados.
A apropriação dos valores do IRRF pelo próprio consórcio público é manifestamente incompatível com o ordenamento jurídico vigente, pois os consórcios não possuem capacidade tributária ativa e atuam apenas como responsáveis pela retenção e repasse do tributo ao ente competente. Assim, os valores retidos não podem ser considerados receita própria do consórcio; e devem ser repassados aos municípios consorciados conforme os critérios de repartição mencionados anteriormente.
Portanto, qualquer disposição contratual no sentido de que os valores retidos a título de IRRF sejam considerados como receita do consórcio seria inconstitucional e ilegal, por contrariar expressamente o disposto no artigo 158, inciso I, da CF/88 e a jurisprudência consolidada pelo STF no Tema nº 1130 da Repercussão Geral.
A tese fixada e a orientação do Pleno do TCE-PR foram expedidas em resposta à Consulta formulada pelo Consórcio Intermunicipal da Área de Proteção Ambiental Federal do Noroeste do Paraná (Comafen) em 2024, por meio da qual questionou sobre a destinação dos valores retidos de IRRF, uma vez que a CF/88 estabelece que esses recursos pertencem aos municípios.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que os consórcios públicos com personalidade de direito público são considerados autarquias e, portanto, devem seguir normas de direito público, incluindo a retenção do IRRF sobre pagamentos a pessoas jurídicas.
A CGM concluiu que a retenção do IRRF realizada por esses consórcios pertence aos municípios consorciados, de acordo com o disposto no artigo 158 da CF/88, e deve ser contabilizada como receita própria dos municípios. Além disso, ressaltou que, para consórcios com personalidade jurídica de direito privado, o imposto deve ser recolhido aos cofres da União.
Finalmente, a unidade técnica frisou que a distribuição dos recursos retidos entre os municípios consorciados deve ser prevista no protocolo de intenções do consórcio; e destacou a importância de que parte da receita do IRRF seja utilizada para atender às exigências mínimas constitucionais nas áreas de saúde e educação.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com o posicionamento da CGM. O órgão ministerial salientou que a Receita Federal e Tribunais de Contas de diferentes estados confirmam que o IRRF retido deve ser destinado aos municípios consorciados e não pode ser apropriado pelo consórcio; e que o STF também reafirmou que o produto da arrecadação do IRRF pertence aos municípios e deve ser contabilizado como receita própria.
O MPC-PR acrescentou que, como a contribuição dos municípios no consórcio pode variar, o recolhimento do IRRF deve ser proporcional à participação de cada um, garantindo que cada município receba sua parte justa. Quanto aos consórcios de direito privado, ressaltou que o IRRF deve ser repassado à União, sem possibilidade de redistribuição entre os municípios.
O órgão ministerial destacou que a apropriação do IRRF pelos consórcios é incompatível com a legislação, que determina que os valores retidos sejam contabilizados como receita tributária e repartidos de forma equitativa entre os municípios consorciados, de acordo com sua participação.
Legislação e jurisprudência
Os artigos 157 e 158 da Constituição Federal estabelecem que pertencem aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.
No âmbito da Receita Federal, a IN nº 2145/23 alterou a IN nº 1234/12. Assim, os órgãos da administração pública direta dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclusive suas autarquias e fundações, ficaram obrigados a efetuar a retenção, na fonte, do imposto sobre a renda incidente sobre os pagamentos que efetuarem a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços em geral, inclusive obras de construção civil.
Em sede de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 129.345-3 (Tema nº 1130), o STF tomou a decisão – publicada em 17 de dezembro de 2021, com trânsito em julgado em 16 de fevereiro de 2022 – que fixa o entendimento de que o estado e os municípios têm o direito de se apropriar da arrecadação do IR sobre rendimentos pagos a qualquer título nas mesmas hipóteses de retenção que a União previu para si na IN nº 1234/12 da RFB.
Essa tese expressa que pertence aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de IRRF incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos artigos 158, I, e 157, I, da CF/88.
O posicionamento também foi reconhecido pela Secretaria Especial da Receita Federal, ao publicar a nova versão do Manual do IRRF e a versão 1.1 do Programa Gerador da Declaração do IRRF, em 2023, já com a previsão da forma de apresentação das informações das retenções realizadas segundo essas novas hipóteses de retenções para estados e municípios.
O Decreto nº 6.017/07 regulamenta a Lei nº 11.107/07, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.
O inciso I do artigo 4º da Lei 11.107/07 estabelece que são cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio.
Por meio da Decisão nº 0561/2012 – Tribunal Pleno (Consulta nº 00011402.00/12-4) o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) fixara o entendimento de que os recursos do IRRF são de titularidade dos municípios; e não do consórcio.
A Portaria nº 880/23 do TCE-PR dispõe sobre procedimentos adotados no âmbito da Corte para a retenção de IRRF no pagamento aos fornecedores, conforme previsto na IN nº 1234/12, alterada pela IN nº 2145/23, ambas da RFB.
A portaria estabelece que esses procedimentos serão adotados para retenção obrigatória do tributo nas contratações de fornecimento de bens e na prestação de serviços em geral, inclusive obras de construção civil, realizadas pelo TCE-PR, incluindo as custeadas pelo seu Fundo Especial de Controle Externo (FETC).
A norma destaca que as retenções passaram a ser efetuadas a partir de 1º de setembro de 2023. Portanto, a partir daquela data os documentos de cobrança emitidos em desacordo com a retenção obrigatória não são aceitos para fins de liquidação da despesa, inclusive aqueles emitidos em data anterior. A retenção do IR deve ser destacada no corpo do documento fiscal, observando os percentuais estabelecidos no anexo I da IN nº 1234/12 da RFB.
De acordo com a normativa, não estão sujeitos à retenção do IRRF os pagamentos realizados a pessoas físicas ou jurídicas por serviços e produtos elencados no artigo 4º da IN nº 1234/12. A obrigação de retenção do imposto alcança todos os contratos vigentes, contratações diretas, atas de registro de preços e novas contratações; e os prestadores de serviços e fornecedores de bens devem, a partir da vigência da portaria, emitir as notas fiscais em observância às regras de retenção estabelecidas pela legislação tributária.
Por meio de notícia divulgada em 3 de julho de 2023 em seu portal na internet, o TCE-PR informara que o Estado do Paraná e os municípios paranaenses deveriam adotar, com amparo em decisão do STF e na então recente Instrução Normativa nº 2145/23 da RFB, o procedimento de retenção IRRF nos pagamentos efetuados pelo fornecimento de bens e pela prestação de serviços.
A nota institucional ressaltara, ainda, que os órgãos, entidades e fundos do Estado do Paraná e dos seus 399 municípios poderiam aplicar as regras constantes da IN 1234/12, com as alíquotas previstas no Anexo I, para efetuar as retenções do IR sobre os serviços contratados e o fornecimento de bens.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Fernando Guimarães, esclareceu que os consórcios públicos intermunicipais são uma alternativa eficaz para a gestão compartilhada de serviços e a implementação de políticas públicas, pois eles permitem que municípios se unam para otimizar recursos, compartilhar responsabilidades e promover um desenvolvimento regional mais equilibrado. No entanto, ele alertou que a complexidade da legislação que rege esses consórcios, especialmente em relação à retenção de tributos, como o IRRF, gerou a dúvida do consulente.
Guimarães explicou que os consórcios públicos podem ser classificados como entidades de direito público ou privado, conforme a sua constituição. Ele afirmou que os consórcios de direito público são considerados extensões da administração pública e, portanto, estão sujeitos a regras específicas que regem a administração direta dos entes federativos; e, assim, devem seguir normas de transparência, responsabilidade fiscal e, principalmente, a legislação tributária pertinente.
O conselheiro ressaltou que, por outro lado, os consórcios de direito privado podem ter uma flexibilidade maior em suas operações, mas ainda assim precisam atender às exigências legais pertinentes ao regime tributário que lhes é aplicado. Ele destacou que essa distinção entre os tipos de consórcios é fundamental, pois impacta diretamente na forma como a retenção de tributos, como o IRRF, deve ser realizada.
O relator afirmou que a retenção do IRRF é uma obrigação tributária que recai sobre os pagamentos realizados a pessoas jurídicas; e que a legislação especifica que a responsabilidade pela retenção do imposto é dos próprios consórcios. Assim, ele destacou que tanto consórcios públicos de direito público quanto de direito privado devem efetuar essa retenção, mas a forma como isso é regulamentado pode variar.
Guimarães enfatizou que a obrigatoriedade de retenção do IRRF está prevista na IN nº 2145/23 da RFB, que alterou a IN nº 1234/12 da RFB; e que essas normas estabelecem que todos os órgãos da administração pública, incluindo autarquias, devem efetuar a retenção do IRRF sobre os pagamentos feitos a pessoas jurídicas.
O conselheiro lembrou que, no caso dos consórcios de direito público, a legislação estabelece que os recursos retidos pertencem aos municípios consorciados, conforme disposto no artigo 158, inciso I, da CF/88; e, assim, advertiu que os valores arrecadados a título de IRRF não podem ser apropriados pelo consórcio, que atua apenas como um agente de arrecadação. Ele frisou que a jurisprudência, especialmente a do STF, reforça essa interpretação, com o entendimento de que os recursos devem ser repassados aos municípios conforme a participação de cada um no consórcio.
O relator entendeu que o critério de rateio entre os municípios consorciados deve refletir a contribuição de cada município ao consórcio, garantindo uma repartição equitativa e justa dos valores arrecadados; e deve ser feita conforme as regras estabelecidas em um protocolo de intenções ou contrato de rateio, em consonância com o que dispõe o Decreto n° 6.017/07. Ele explicou que essa abordagem assegura que todos os municípios consorciados sejam beneficiados proporcionalmente, respeitando a dinâmica de participação e colaboração entre os entes federativos.
Assim, Guimarães reforçou que o recolhimento do imposto deve ser proporcional à participação de cada um dos municípios no consórcio, determinado pela cota de participação de cada deles e contabilizado como receita própria dos municípios, a fim de que seja realizada a devida aplicação em saúde e educação.
Finalmente, o conselheiro concluiu que a apropriação dos valores do IRRF pelo consórcio público é considerada incompatível com o ordenamento jurídico vigente, pois a legislação deixa claro que os consórcios não possuem capacidade tributária ativa, restrita aos entes federativos; ou seja, não podem instituir ou arrecadar tributos. Assim, ele afirmou que qualquer disposição contratual que vise considerar os valores retidos como receita do consórcio seria considerada inconstitucional e ilegal; e que essa rigidez no tratamento legal dos recursos é fundamental para garantir a transparência e a correta aplicação dos recursos públicos.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 4/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 13 de março. A decisão está expressa no Acórdão nº 489/25, disponibilizado em 27 de março, na edição nº 3.412 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 7 de abril.
Serviço
Processo nº: | 154504/24 |
Acórdão nº | 489/25 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Consórcio Intermunicipal da Área de Proteção Ambiental Federal do Noroeste do Paraná |
Relator: | Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães |
Fonte: TCE/PR