Organismo internacional com imunidade de jurisdição assegurada por tratado do qual o Brasil é signatário não se submete à jurisdição do Tribunal de Contas do Estado do Paraná na assinatura de instrumentos com o Estado do Paraná. No entanto, os atos sob a gestão e a execução do governo estadual que decorrem ou têm conexão com o instrumento firmado com esse organismo, quando passíveis de serem analisados isoladamente, estão sujeitos à jurisdição do TCE-PR.
Portanto, não há obrigatoriedade de que o organismo internacional se inscreva no cadastro do Sistema Integrado de Transferências Voluntárias (SIT) do TCE-PR.
Essa é a orientação do Tribunal Pleno da Corte de Contas, em resposta à Consulta formulada pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa-PR), por meio da qual questionou a respeito de particularidades de termo de cooperação firmado entre aquela pasta, a Organização Pan-Americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (Opas-OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil (MS).
Instrução do processo
Em seu parecer, a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná (PGE-PR) afirmou que a Opas-OMS não está sujeita à jurisdição do TCE-PR quanto aos atos referentes à sua própria gestão e à execução do convênio na parcela em que age em nome próprio. Mas advertiu que os atos sob a gestão e a execução da secretaria estadual que decorrem ou têm conexão com o convênio, quando possível de serem analisados isoladamente, estão sujeitos à jurisdição do TCE-PR.
A Terceira Inspetoria de Controle Externo (3ª ICE), unidade técnica do TCE-PR responsável pela fiscalização da Sesa-PR em 2021, quando o processo de Consulta foi protocolado, ressaltou que quando a imunidade de jurisdição é assegurada ao organismo internacional por tratado do qual o Brasil é signatário, essa entidade não se submete ao crivo da fiscalização do Tribunal de Contas do Estado em relação aos atos de própria gestão e execução do convênio na parcela em que age em nome próprio, na esteira do entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas a unidade de fiscalização alertou que, excepcionalidade, essa imunidade pode ser desconstituída mediante convenção das partes ou renúncia do organismo, conforme orientação do STF e do TCU.
No entanto, a 3ª ICE explicou que a imunidade não exclui a obrigação do ente de enviar ao governo estadual relatórios periódicos da gestão de seus atos, como prevê o ajuste, cujo monitoramento deverá concretizar-se por auditor designado pelo próprio termo de cooperação.
Sob os mesmos fundamentos, a inspetoria considerou ser desnecessária a inscrição de tal organismo internacional no cadastro do SIT do TCE-PR. Mas enfatizou que essa providência, indispensavelmente, deverá ser adotada pela secretaria estadual, cujas ações, no âmbito do ajuste, subordinam-se à fiscalização e controle do Tribunal por imperativo constitucional.
A Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) do TCE-PR alertou que a organização Opas-OMS e seus agentes, por gozarem de imunidade de jurisdição, não se submetem ao controle do Tribunal de Contas, quanto a sanções e ressarcimentos, salvo na hipótese de renúncia à imunidade. Além disso, reforçou que a entidade não se submete às disposições da Resolução nº 28/11 do TCE-PR em relação aos atos referentes à sua própria gestão, dada a imunidade de jurisdição.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou integralmente com os posicionamentos técnicos.
Legislação e jurisprudência
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.034.840, o STF fixou, por meio do Tema nº 947, a tese de repercussão geral de que o organismo internacional que tenha garantida a imunidade de jurisdição em tratado firmado pelo Brasil e internalizado na ordem jurídica brasileira não pode ser demandado em juízo, salvo em caso de renúncia expressa a essa imunidade.
O TCU já firmara o entendimento de que nos casos em que o negócio jurídico estabelecido com o organismo internacional lhe atribuir a execução direta da avença, descabe a atuação do controle externo, a qual fica restrita à execução nacional.
Em acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 108/83, previu-se que a repartição, seus bens e ativo, gozarão de imunidade de todas as formas de processo legal, exceto na medida em que, em qualquer caso determinado, houver expressamente renunciado a sua imunidade.
A cláusula 13ª, referente às disposições finais desse pacto, estabelece que todas as obrigações assumidas pela organização serão cumpridas estritamente dentro de suas normas legais; e que nada do conteúdo desse instrumento ou com ele relacionado poderá ser considerado como renúncia tácita ou expressa, das imunidades, privilégios, exonerações ou facilidades, em conformidade com o direito internacional, os tratados e convênios internacionais, ou legislação de qualquer de seus países membros.
A cláusula 11ª, denominada “Da Auditoria”, constante nesse termo de cooperação, menciona que um auditor externo independente, nomeado pelo corpo de direção da organização, realizará a auditoria sobre os recursos administrados por ela, incluindo os do termo, de acordo com as regulamentações, regras e diretrizes da organização, na qualidade de agência especializada das Nações Unidas.
Essa cláusula dispõe, ainda, que cópias das auditorias da organização serão entregues à secretaria e ao ministério, quando solicitadas; e que a secretaria será auditada pelos órgãos de controle interno e externo, conforme legislação aplicável.
A Resolução nº 28/11 do TCE-PR, que instituiu o SIT, dispõe que o sistema consiste no instrumento informatizado disponibilizado pelo Tribunal para fins de registro e acompanhamento das informações, bem como para a prestação de contas das transferências financeiras, com a finalidade de padronizar e dar agilidade aos procedimentos de fiscalização das transferências públicas de recursos financeiros.
Nos termos do artigo 3º dessa resolução, a utilização do SIT é obrigatória para todos os órgãos públicos e entidades privadas sujeitas à jurisdição do TCE-PR, na condição de repassadores ou tomadores de recursos públicos oriundos de transferências voluntárias.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, afirmou que, quanto à competência do TCE-PR quando se trata de convênios com entidades internacionais, especificamente em relação à Opas-OMS, vale o entendimento fixado tese de repercussão geral pelo STF no Tema nº 947.
Bonilha lembrou que a Opas-OMS, por ser beneficiária de imunidade de jurisdição, não está sujeita à competência do TCE-PR quanto a seus atos de gestão e realização de despesas; e, assim, está desobrigada de submeter seus atos ao exame do Tribunal, ante a impossibilidade jurídica dessa corte exercer a correspondente jurisdição, exceto se houver renúncia expressa à imunidade.
Assim, o conselheiro entendeu que o TCE-PR pode efetuar a regular fiscalização e controle externo apenas sobre os atos administrativos restritos à competência da secretaria estadual, sem abranger aqueles que forem específicos da organização internacional imune à sua jurisdição.
Portanto, o relator concluiu que organismo internacional com imunidade de jurisdição assegurada por tratado do qual o Brasil é signatário não se submete à jurisdição do TCE-PR na assinatura de instrumentos com o Estado do Paraná. No entanto, ele alertou que os atos sob a gestão e a execução do governo estadual que decorrem ou têm conexão com o instrumento firmado com esse organismo, quando passíveis de serem analisados isoladamente, estão sujeitos à jurisdição do TCE-PR.
Bonilha destacou que, consequentemente, por gozar de imunidade de jurisdição, a Opas-OMS não está submetida aos ditames da Resolução nº 28/11 do TCE-PR. Assim, ele considerou que seria descabido exigir-se o cadastramento em sistema fiscalizatório informatizado do Tribunal de um organismo internacional detentor de imunidade de jurisdição.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão de Plenário Virtual nº 4/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 13 de março. O Acórdão nº 496/25, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 25 de março, na edição nº 3.410 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 3 de abril.
Serviço
Processo nº: | 385319/21 |
Acórdão nº | 496/25 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Secretaria de Estado da Saúde |
Relator: | Conselheiro Ivan Lelis Bonilha |
Fonte: TCE/PR