A taxa de administração negativa em licitações também é admitida para a contratação de empresa de fornecimento de cartão-alimentação a famílias em situação de vulnerabilidade social, em substituição à distribuição de cestas básicas. Isso reforça o entendimento consolidado no Prejulgado nº 34 (Acórdão n° 1053/24 – Tribunal Pleno) do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
Esta é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo Município de União da Vitória (Sul do Estado), por meio da qual questionou sobre a admissibilidade de taxa negativa no caso de licitação para contratação de cartões-alimentação destinados a famílias carentes, em substituição ao fornecimento de cestas básicas.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que, por meio do seu Prejulgado nº 34, o Tribunal fixou o entendimento de que a proibição estabelecida no artigo 3°, incisos I e III, da Lei nº 14.442/22 aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, ficando vedada, por conseguinte, nesses casos, a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres.
A unidade técnica ressaltou que a leitura do artigo 3º da Lei nº 14.442/22 demonstra que a norma visa esclarecer a respeito de direito previsto na legislação trabalhista em prol dos empregados.
A CGM destacou que, por analogia, deve ser admitida a taxa negativa no caso questionado na presente Consulta, uma vez que existe similaridade entre as hipóteses, já que tanto na concessão do auxílio-alimentação a servidores ou empregados públicos quanto na disponibilização do auxílio a famílias carentes aplicam-se as regras referentes às despesas públicas e à utilização de licitação, além de haver a participação de empresas que pertencem ao mesmo ramo de atividade econômica – administração de cartões de auxílio-alimentação.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM. Inclusive, no seu parecer no processo referente ao Prejulgado nº 34, o órgão ministerial lembrara que a Lei n° 14.442/22 é dirigida, expressamente, aos empregadores que disponibilizam aos empregados valores a título de auxílio-alimentação, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, defendera que sua incidência estaria limitada, no âmbito do poder público, às entidades da administração pública que tenham, em seu quadro de pessoal, empregados públicos submetidos à CLT.
O órgão ministerial ressaltara naquele processo que não há embasamento legal para justificar a aplicação da restrição do artigo 3º, inciso I, da Lei n° 14.442/22 ao pagamento do auxílio-alimentação, ou benefício de nomenclatura similar, de previsão estatutária.
Agora, o MPC-PR reafirmou que a jurisprudência do TCE-PR é no sentido de se admitir propostas com taxa de administração negativa nas licitações para contratação de cartões destinados a benefícios assistenciais, ainda que vinculados à alimentação, uma vez que essa prática não representa inexequibilidade da proposta e eventual vedação violaria o objetivo legal da licitação de busca da proposta mais vantajosa à administração pública.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O artigo 2º da Lei nº 14.442/22 dispõe que as importâncias pagas pelo empregador a título de auxílio-alimentação de que trata o parágrafo 2º do artigo 457 da CLT deverão ser utilizadas para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.
O inciso I do artigo 3º da Lei n° 14.442/22 estabelece que o empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o artigo 2º dessa lei, não poderá exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado.
O inciso III do artigo 3º da Lei n° 14.442/22 fixa que o empregador também não poderá exigir outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.
O artigo 175 da Lei n° 6.321/76, que regulamenta o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), fixa que as pessoas jurídicas beneficiárias, no âmbito do contrato firmado com fornecedoras de alimentação ou facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios, não poderão exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador.
O parágrafo 3º do artigo 44 da Lei Federal n° 8.666/93 (antiga Lei de Licitações) expressava que “não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração”.
O Prejulgado nº 34 (Acórdão n° 1053/24 – Tribunal Pleno) do TCE-PR consolidou o entendimento de que a proibição estabelecida no artigo 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22 aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista.
Esse prejulgado dispõe que, especificamente para esses órgãos e entidades, é vedada a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres.
De acordo com o prejulgado, para os demais entes da administração pública, que concedem o auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar com base em previsão estatutária, não se aplica a restrição disposta no artigo 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22, admitindo-se a taxa de administração negativa nas respectivas licitações para este objeto.
O Acórdão nº 3337/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 609796/23) dispõe que a vedação à aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres – artigo 3°, I e III, da Lei n° 14.442/22 – aplica-se apenas aos órgãos e entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, conforme entendimento fixado pelo Prejulgado nº 34 do TCE-PR.
Portanto, aos demais entes da administração pública, que concedem o auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar com base em previsão estatutária, não se aplica a restrição do artigo 3°, I e III, da Lei n° 14.442/22, admitindo-se a taxa de administração negativa nas respectivas licitações para este objeto.
Indicando não haver garantias de que a proibição da taxa negativa resultaria em preços melhores nos estabelecimentos credenciados, Araune C. A. Duarte da Silva afirmara, em artigo publicado no Blog Zênite, que a vedação de taxa negativa em licitação gera ônus certo aos contratantes das administradoras dos cartões de vale-alimentação e refeição, inclusive a administração pública, com bônus incertos aos supostos beneficiários da medida, que são os trabalhadores consumidores.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, atual presidente do TCE-PR acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele afirmou que não incide, em licitação para concessão de benefício de assistência social a pessoas hipossuficientes, a vedação constante do artigo 3°, inciso I, da Lei n° 14.442/22, que é aplicável apenas, nos termos da própria lei, ao fornecimento de auxílio-alimentação no âmbito de relações de trabalho celetistas.
Ele lembrou que o TCE-PR, até a edição da Lei n° 14.442/22, tinha jurisprudência consolidada no sentido de admitir a adoção de taxas negativas de administração em licitações para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação.
No entanto, Linhares ressaltou que surgiram interpretações divergentes sobre o tema com a entrada em vigor dessa lei, que proibiu expressamente ao empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação previsto na CLT, exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado. Assim, ele frisou que, com o intuito de uniformizar e atualizar a jurisprudência do TCE-PR, fora instaurado o Prejulgado n° 34 para tratar da matéria.
O conselheiro destacou que, atualmente, o Tribunal tem posição sedimentada no sentido de que, para as entidades da administração pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos à disciplina normativa da CLT, fica vedada a aceitação da taxa de administração negativa nos processos licitatórios para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação. Mas ele frisou que a proibição não incide no caso de licitação para fornecimento de auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar a servidores estatutários.
O relator enfatizou que, em, sede de preliminar, no julgamento do Prejulgado nº 34 ficou consignado que aquela discussão se limitava à possibilidade ou não de taxa negativa em licitações para o fornecimento de auxílio-alimentação a servidores e empregados públicos, de modo que a decisão não abarcaria a questão referente à adoção de taxas negativas em certames relativos a objetos distintos, como a concessão de benefícios de assistência social, justamente porque tal situação não se amoldaria à hipótese do artigo 3º da Lei n° 14.442/22, por não envolver relações de trabalho.
Linhares entendeu que, apesar de o prejulgado não se aplicar diretamente à hipótese ora questionada, seguindo a mesma linha interpretativa desenvolvida naquela oportunidade, não incidindo a vedação legal do artigo 3°, I, da Lei n° 14.442/22 ao caso, também deve ser admitida a adoção da taxa de administração negativa em processos licitatórios envolvendo o fornecimento de benefícios de natureza assistencial a famílias em situação de vulnerabilidade.
Finalmente, o conselheiro reforçou não haver garantias de que a proibição da taxa negativa resultaria em preços melhores nos estabelecimentos credenciados. Ele salientou que o TCE-PR possui jurisprudência no sentido de aceitar taxas negativas nesse tipo de contratação, não havendo qualquer ofensa ao disposto no artigo 44, parágrafo 3º, da Lei nº 8.666/93, uma vez que esta prática comercial não torna a proposta inexequível, pois a empresa prestadora do serviço terá sua renda auferida de outras fontes.
Além disso, o relator lembrou que a disposição contida no artigo 3º, II, da Lei n° 14.442/22 não é inédita no ordenamento jurídico, pois já era prevista também, de forma similar, no Decreto n° 10.854/21, que regulamenta o Programa de Alimentação do Trabalhador, instituído pela Lei n° 6.321/76.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por voto de desempate do presidente, após voto divergente do conselheiro Maurício Requião pelo não conhecimento da Consulta. A decisão foi tomada na Sessão Ordinária de Plenário Virtual nº 6/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 10 de abril. O Acórdão nº 790/25 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 25 de abril, na edição nº 3.430 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 8 de maio.
Serviço
Processo nº: | 599863/23 |
Acórdão nº | 790/25 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Município de União da Vitória |
Relator: | Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares |
Fonte: TCE/PR